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Ex-assessor da Agricultura de Bolsonaro fez lobby para manter agrotóxico que mata abelhas

Ex-funcionário da gestão Bolsonaro, Fabiano Amui foi a reuniões no governo Lula para discutir reavaliação de agrotóxicos

Hélen Freitas | Repórter Brasil

22 de fevereiro de 2024

O governo federal deve anunciar nesta quinta-feira (22) se restringe ou não o uso de um dos produtos mais letais para abelhas, o tiametoxam. Na reta final da análise, a fabricante Ourofino contou com a consultoria de um ex-funcionário do Ministério da Agricultura (Mapa) para convencer os órgãos públicos a manter a comercialização do agrotóxico – cujas vendas alcançaram 4.800 toneladas em 2022.

Contratada pela Ourofino, a consultoria Famagro tem Fabiano Maluf Amui como um dos seus sócios. Ex-assessor especial do Ministério da Agricultura, ele era próximo aos ministros Tereza Cristina e Marcos Montes, na gestão Bolsonaro.

Maluf abriu a empresa em dezembro de 2022, quando ainda fazia parte do governo federal, duas semanas antes de ser exonerado pela gestão Lula .

Nos quatro anos no Ministério, o ex-assessor especial participou de reuniões com diversas autoridades e empresas, inclusive com a própria Ourofino. Uma vez fora do governo, a relação de Maluf com a fabricante de agrotóxicos se estreitou. Em fevereiro de 2023, ele foi convidado a representar a empresa na viagem do presidente Lula à China, segundo o jornal O Globo. A Ourofino nega que ele tenha ido ao país asiático.

Ao longo do último ano, Maluf representou a companhia em vários encontros em Brasília. Levantamento exclusivo da Repórter Brasil, em parceria com a organização Fiquem Sabendo, mostra que o nome do ex-assessor aparece em nove reuniões realizadas no Ministério da Agricultura, na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e no Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, sempre como consultor de assuntos regulatórios da Ourofino. Pelo menos duas reuniões tiveram como tema justamente a reavaliação de agrotóxicos.

A lei sobre conflito de interesses define um período de seis meses em que um ex-servidor público não pode trabalhar em empresas privadas, para impedir que elas sejam favorecidas com informações sensíveis.

“Criar uma empresa antes de sair do cargo público é possível, porém, apenas em circunstâncias específicas” afirma Bruno Morassutti, advogado da organização Fiquem Sabendo.”Se espera que ele [Maluf] tenha consultado o comitê de ética do órgão ao qual estava vinculado para assegurar que não haveria conflito de interesses”, complementa.

A Controladoria Geral da União (CGU) informou que o ex-servidor exercia um cargo comissionado equivalente ao de nível “DAS 5”, categoria passível do cumprimento de quarentena, segundo a Lei nº 12.813/2013, que trata de conflito de interesses.

A nota da CGU informa, no entanto, que a análise do caso específico de Maluf seria de responsabilidade da Comissão de Ética Pública da Presidência. Procurado pela reportagem, o órgão não respondeu se o ex-servidor entrou com um pedido de consulta até o fechamento deste texto.

Únicas fabricantes de tiametoxam no Brasil, Ourofino e Syngenta tentam impedir que o uso do agrotóxico se torne mais restrito

Conhecida como “porta giratória”, a contratação de ex-servidores públicos por companhias privadas é uma das estratégias mais comuns do lobby em Brasília. Para obter vantagens em temas estratégicos, corporações recrutam funcionários de alto escalão do poder público para atuar do outro lado do balcão, defendendo as empresas.

Especialistas ouvidos pela Repórter Brasil não veem ilegalidade na prática do lobby, mas apontam falta de participação social no processo de decisão do governo federal, e temem que os órgãos públicos responsáveis pela criação de regulamentações, como a de agrotóxicos, acabem sendo capturados pelos interesses da iniciativa privada.

De acordo com Morassutti, o uso de informações privilegiadas pode gerar punições aos ex-funcionários do poder público . “Se ele teve acesso a informações privilegiadas, e se for comprovado que utilizou essas informações, ele pode ser punido”, explica.

A Repórter Brasil tentou contato com a Famagro por telefone, mensagens e e-mail, mas não obteve resposta. A Ourofino disse que a contratação de Maluf ocorreu após sua exoneração do Ministério da Agricultura. “No entendimento de ambas as partes, não houve conflito, especialmente pelo fato de a tramitação da reavaliação [do tiametoxam] ocorrer no Ibama”, diz a companhia, em nota. Veja as respostas completas.

Embora o Ibama seja responsável pela análise ambiental do tiametoxam, a decisão de restringir ou não o uso do agrotóxico cabe a uma comissão envolvendo não só o órgão ambiental, mas também a Anvisa e o Ministério da Agricultura. A pasta enviou ao Ibama sua posição a respeito do tiametoxam, mas se recusou a informar à reportagem o conteúdo da manifestação.

Agendas

Tanto a brasileira Ourofino quanto a multinacional Syngenta – únicas empresas autorizadas a produzir agrotóxicos com tiametoxam no país – intensificaram suas visitas aos órgãos federais durante a fase final de reavaliação do tiametoxam. De março de 2023 a janeiro de 2024, foram registrados 16 compromissos das fabricantes com autoridades do Mapa, Anvisa e Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. A maioria (13) aconteceu com representantes do Mapa.

As reuniões coincidem com decisões importantes do Ibama sobre a reavaliação do tiametoxam. Em 28 setembro, por exemplo, um dia antes de o Ibama abrir consulta pública sobre o tema, o Ministério da Agricultura se reuniu duas vezes com representantes das fabricantes. No mesmo dia, a Ourofino ainda marcou presença na Anvisa.

Para o advogado Bruno Morassutti, a participação e a tentativa das empresas de influenciar decisões fazem parte do processo. Porém, ele vê como problemática a falta de transparência sobre essas conversas, citando como exemplo a não apresentação de atas dessas reuniões. Ele critica também a falta de participação social nesses debates, já que organizações contrárias ao uso da substância não são convidadas a opinar. A reportagem não identificou reuniões no Mapa com representantes de organizações que defendem restrições ao agrotóxico.

Produto à base de tiametoxam, o Actara é um dos um dos carros chefes da Syngenta e pode ser encontrado nos mercados agropecuários por volta de R$ 300

Para Leonardo Pillon, advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), há uma dificuldade de acesso aos órgãos do governo por parte da sociedade civil. “Essa diferença de acesso às agendas dos altos escalões é um sintoma dessa captura de parte do governo por setores econômicos com poder de influência”.

O Mapa não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem sobre a possibilidade de conflito de interesses na relação com Maluf, nem sobre a falta de diálogo com órgãos da sociedade civil.

O processo de reavaliação do tiametoxam foi iniciado há dez anos pelo Ibama, após aumento de casos de morte de abelhas no mundo. Produtos contendo a substância foram proibidos na Europa em 2018, o que alçou o Brasil à condição de principal mercado da Syngenta.

Em 2022, foram comercializadas 4.800 toneladas de produtos à base deste agrotóxico, segundo o Ibama. O mercado é controlado pela Syngenta, que lidera as vendas com produtos como o Actara, que é vendido ao consumidor final por cerca de R$ 300 o quilo.